Ex-vice-presidente do Goldman Sachs denuncia assédio moral após ser mãe

A executiva Carolina Ragazzi, de 37 anos, resolveu romper o silêncio sobre um problema que afeta milhares de mulheres ao retornarem ao trabalho depois da maternidade: o assédio moral.

O caso chama ainda mais atenção por envolver uma profissional do setor de fusões e aquisições — um dos mais exigentes, bem remunerados e dominados por homens no país. E, mais ainda, por ela ter atuado em um dos maiores bancos do mundo: o Goldman Sachs.

Com uma carreira de destaque, tendo começado como estagiária e alcançado o cargo de vice-presidente, Ragazzi participou de importantes operações financeiras envolvendo compra, venda de empresas e ofertas de ações no setor de varejo.

Mudança após a maternidade

Atualmente mãe de três filhos, ela contou, em entrevista exclusiva à Universa, que os problemas começaram logo após o nascimento da primeira filha.

Ragazzi passou a ser criticada por trabalhar parcialmente de casa para acompanhar a rotina dos filhos. Após retornar da licença-maternidade, foi excluída de projetos importantes, alvo de chacotas em grupos de WhatsApp, preterida em promoções e teve sua remuneração reduzida.

Denunciou informalmente os episódios à chefia, mas não houve resposta. Em seguida, enfrentou depressão e crises de pânico. O banco, por sua vez, nega todas as acusações em nota enviada à reportagem.

“Pouco a pouco, fui sendo minada, excluída das rodas de decisão. Fui tendo meu poder esvaziado. Isso afetou minha remuneração. Mas tudo aconteceu de forma gradativa. Isoladamente, os discursos faziam sentido. Depois percebi que era manipulação brutal.”
Carolina Ragazzi, ex-vice-presidente do Goldman Sachs

Trajetória e iniciativa feminina

Nascida em Fortaleza, Ragazzi mudou-se para São Paulo em 2005 para cursar Administração na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Após formada, ingressou como estagiária no banco Santander, no setor de fusões e aquisições.

Seu desempenho chamou a atenção do Goldman Sachs, onde começou como associada em 2011. Em 2016, chegou ao cargo de vice-presidente e chefiava a área de varejo.

Foi nesse período que ela percebeu como o setor era dominado por homens. A circulação de informações era restrita entre as mulheres, o que dificultava o acesso a oportunidades.

Com outras duas profissionais da área financeira, criou o grupo “Mulheres no mercado”, hoje com cerca de 200 executivas em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O grupo permanece fechado para manter a confidencialidade das informações compartilhadas.

Episódios de exclusão e intimidação

Após sua promoção e decisão de ser mãe, os problemas começaram com o retorno ao trabalho.

Os colegas criticavam o fato de ela sair às 19h para colocar a filha para dormir e continuar o expediente remotamente — algo comum no setor, onde jornadas de até 100 horas semanais são a norma.

Foi excluída de reuniões e deixaram de compartilhar informações. Um episódio no estacionamento ilustra o clima hostil: ao chegar, encontrou sua vaga ocupada. O manobrista afirmou que um colega disse que ela “perderia a vaga e o emprego”.

Mesmo após relatar o caso ao chefe e pedir demissão, foi convencida a permanecer sob promessa de ser “blindada”.

Discriminação por amamentar

Em 2019, ao retornar da licença do segundo filho, descobriu que fora retirada de uma grande operação de varejo. Ao questionar, ouviu do chefe que, por estar amamentando, não seria bom para ela participar — as reuniões ocorriam às seis da manhã.

“A resposta foi supostamente protetiva. Eu disse que era pau para toda obra e que aquele projeto era vital para minha promoção. Ele então mudou o discurso.”
Carolina Ragazzi

Segundo ela, o projeto ainda demorou oito meses para ser concluído — o que invalidava o argumento da urgência. Os projetos atribuídos a ela eram menos relevantes.

“Prêmio Carolina Ragazzi”

Em 2021, Ragazzi teve acesso a mensagens de WhatsApp entre colegas de banco. Nelas, era chamada de “gata gorda” e sugeriram criar um “prêmio Carolina Ragazzi” para funcionários considerados inúteis.

                                             Trocas de mensagens entre funcionários do banco Goldman Sachs em 2021 sobre Carolina Ragazzi

 

O auge do assédio ocorreu em agosto de 2022, quando precisou levar uma muda de roupa para o filho na escola e participou de uma reunião online. Sem saber que ela estava na chamada, os colegas a responsabilizaram por perder um contrato — algo que ela nega, afirmando que a proposta foi recusada por conta de uma comissão elevada.

“Fui pintada como exemplo de incompetência. Meu chefe sabia da verdade e não me defendeu. Fiquei muda. Tive minha primeira crise de pânico naquele dia.”
Carolina Ragazzi

Após licença médica, fez uma denúncia formal com documentos. Meses depois, na reunião de avaliação do caso, foi demitida nos primeiros minutos. Ouviu que o ambiente era agressivo e que as mulheres eram “mais suscetíveis” a ele.

A versão do banco

Procurado, o Goldman Sachs declarou que as alegações são “falsas”:

“Temos políticas generosas de licença e não toleramos retaliações. Contestamos veementemente as alegações, que são infundadas. Não comentaremos detalhes sobre o desempenho de funcionários.”

Histórico de ações coletivas

Em 2023, o Goldman Sachs pagou US$ 215 milhões para encerrar uma ação coletiva por desigualdade de gênero, que abrangia 2.800 mulheres em cargos de associadas e vice-presidentes.

No Reino Unido, o banco é um dos líderes em desigualdade salarial: em 2023, mulheres ganhavam, em média, 54% a menos por hora que os homens. Também enfrenta dificuldades em promover mulheres a cargos mais altos.

Especialistas comentam

Para a advogada Mayra Cotta, especialista em gênero:

“O que se celebra é a mulher que performa como se não tivesse filhos — ou que paga para que outra cuide deles. A presença de algumas mulheres no topo não muda estruturas desiguais.”

Maíra Liguori, da ONG Think Olga, afirma:

“O caso de Ragazzi mostra com clareza o preconceito contra a maternidade nas empresas. Mulheres em setores masculinos e de alta remuneração enfrentam níveis extremos de misoginia.”

A coragem de falar

Ao ser questionada por que resolveu contar sua história, Carolina Ragazzi respondeu:

“Tenho rede de apoio, estabilidade financeira e provas. Isso me dá segurança para enfrentar possíveis retaliações. Sinto medo e ansiedade, mas talvez eu consiga fazer a diferença na vida de outras mulheres.”

By Novidades do Sul

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