Pesquisa: Aprovação de Bolsonaro cresce mesmo com crise da Covid-19

O Brasil viveu nos últimos sete meses a pior tragédia sanitária de sua história, com quase 160 000 mortos pelo coronavírus. Nesse período, o presidente Jair Bolsonaro protagonizou uma série de polêmicas em razão da obsessão em minimizar a gravidade da Covid-19. A postura o colocou em rota de colisão com governadores, prefeitos e autoridades de saúde, inclusive da sua gestão — perdeu dois ministros da área e desautorizou recentemente o atual titular, Eduardo Pazuello, obrigando-o a voltar atrás em um compromisso de compra da vacina chinesa com o governo paulista. Também ajudou a fixar no mundo a imagem de um governante negacionista. Diante disso, era razoável supor que sua imagem ficaria gravemente arranhada. Aconteceu o contrário: sua popularidade cresceu, fenômeno confirmado pelo levantamento mais recente sobre o assunto, feito para VEJA pelo Paraná Pesquisas entre os dias 8 e 13 de outubro. De acordo com o estudo, o número de brasileiros que acham o seu governo ótimo/bom, que era de 31,8% em abril, no início da crise, foi para 38,7% em outubro.

A concessão do auxílio emergencial teve um peso importante, mas não é a única explicação. A mudança de percepção dos brasileiros a respeito da pandemia ao longo dos últimos meses favoreceu Bolsonaro. Em maio, uma a cada três pessoas apontava o presidente como o responsável pelas mortes (35,1%). Esse número recuou para 26,2% em setembro. Hoje, logo depois de Bolsonaro, os brasileiros culpam a própria população pela tragédia — 19,9% dos pesquisados, o dobro do levantamento anterior. “Isso é decorrência das constantes aglomerações em lugares públicos, que demonstravam que a sociedade não estava adotando o isolamento social”, diz Murilo Hidalgo, diretor do Paraná Pesquisas, que assina uma avaliação sobre a opinião pública na pandemia na quarta edição da série VEJA Insights, que será publicada na semana que vem em VEJA.com.

Outro ponto importante foi a aparente vitória na disputa acerca das polêmicas em torno da necessidade de isolamento social. Enquanto pessoas com maior renda, emprego assegurado ou poupança, minoria da população, se mostraram mais receptivas à quarentena defendida por prefeitos e governadores, pequenos empresários, trabalhadores informais e pais que precisam de escolas e creches para ir ao trabalho passaram a se ver em dificuldades e aderiram mais ao discurso de reabertura. Observadores apontam ainda uma certa “normalização” dos números de mortos e infectados. “Em um cenário com pessoas fatigadas pelo isolamento, sentindo os efeitos econômicos e, ao mesmo tempo, anestesiadas em relação aos impactos sobre a vida, Bolsonaro tendia a crescer”, diz o cientista político Cláudio Couto, da FGV.

ESTÁVEIS – Covas e Doria: a imagem do prefeito e a do governador não registraram grandes oscilações –Newton Menezes/Futura Press

Em termos de comportamento que se espera de um líder, Bolsonaro fez tudo errado, mas o saldo político colhido por ele até agora é positivo. “O presidente apostou em uma narrativa que visava exatamente o momento de curva de stress da pandemia, quando os efeitos econômicos das medidas de isolamento bateram forte nas pessoas”, avalia o cientista político Fernando Schüler, professor do Insper. Deu certo. Enquanto isso, governadores e prefeitos que sustentaram acertadamente a necessidade das quarentenas mantiveram a popularidade em um patamar estável, incluindo o governador paulista João Doria, que se tornou o principal oponente ao comportamento irresponsável do presidente. Ou seja, ironicamente, em certa medida, agir de forma correta não rendeu ainda o devido reconhecimento. Em setembro, Doria tinha 20,1% de avaliação entre ótimo e bom, praticamente o mesmo nível de setembro de 2019 (22,4%). O seu aliado e colega de partido, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), viu a sua avaliação ficar estabilizada em torno de 30% entre julho e outubro.

DE QUEM É A CULPA? - Praia lotada no Rio em meio à pandemia: o brasileiro passou a responsabilizar mais a população por mortes –Gabriel Bastos/Futura Press

Inegavelmente, a injeção de 231,2 bilhões de reais em dinheiro público, na forma do pagamento de um auxílio emergencial, teve um peso fundamental na popularidade de Bolsonaro. De quebra, provocou a principal mudança na base de apoio ao presidente. O benefício, que ele relutou em implantar e que será pago só até dezembro, chegou a mais de 67 milhões de brasileiros e, de acordo com estudo da FGV, tirou 15 milhões deles da extrema pobreza. Segundo o Ibope, a medida teve um efeito imediato na imagem do capitão. Em relação a dezembro de 2019, a sua taxa de ótimo/bom cresceu 12 pontos no Nordeste, Norte e Centro-Oeste, regiões que concentram metade dos beneficiados. A apro­va­ção também teve um salto entre quem ganha até um salário mínimo e os que cursaram até a 4ª série do ensino fundamental.

A injeção de recursos ajudou a diminuir o desespero do brasileiro em meio à pandemia, como mostrou a pesquisa CNT/MDA divulgada nesta semana: em maio, 68,1% consideravam que a situação do emprego iria piorar e 46,7% acreditavam que a sua renda iria diminuir — em outubro, esses porcentuais caíram para 30,1% e 20,7%, respectivamente. A questão é que, apesar dos sinais positivos de recuperação, há o desafio de achar algo para colocar no lugar do auxílio emergencial. Uma das tentações a ser evitadas é buscar espaço fiscal em soluções mirabolantes, que manteriam a popularidade a curto prazo, mas reduziriam o nível de confiança nas contas públicas. A escolha desse caminho pode se virar contra o presidente a longo prazo e criar embaraço ao seu projeto de conquistar a reeleição em 2022. Até agora, Bolsonaro surpreendeu muita gente com sua capacidade de sobrevivência apostando contra todos em meio ao ambiente turbulento da pandemia. Mas os muitos obstáculos que se colocam diante dele em um futuro próximo vão exigir muito mais que intuição e astúcia política.

Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711

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By Natasha Figueredo

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