A quarta onda, a saúde mental e o novo normal

Muito se fala sobre o dito “novo normal”, ainda mais agora que os números avassaladores de mortes e internações pela Covid-19 tendem a diminuir em todo o país. Mas, afinal de contas, como se define esse “novo normal”? Começa quando e termina onde? Qual é sua relação com a saúde mental? Será que o “novo normal” reflete algo mais duradouro? Nesse quesito, há pensadores como Luiz Felipe Pondé, que acham que o termo nada mais é do que uma expressão fajuta de marketing. Ele defende que, a médio prazo, o ser humano e a vida vão mudar muito pouco.

Mesmo que temporárias, algumas mudanças são inquestionáveis. Fica claro que o impulso enorme ao trabalho remoto é uma realidade inevitável, que está sendo adotada pela maioria das empresas, em maior ou menor grau, mas certamente continuará em um nível maior do que antes da pandemia. Em decorrência disso, há um movimento de busca de casas mais confortáveis ao redor dos grandes centros urbanos, por trabalhadores de classe média e alta. Isso obviamente muda, em cascata, diversos outros aspectos, como as formas de mobilidade humana nesses grandes centros. As escolas se preparam para modelos híbridos de ensino. O incremento das interações sociais, através de ferramentas da web, atinge todas as áreas. A explosão dos atendimentos médicos por telemedicina é de fácil constatação pelos números que emanam das principais operadoras de saúde do país.

Do ponto de vista prático, constata-se que é um momento de transição marcado por incertezas. Quão eficazes e necessárias são as medidas de distanciamento social e uso de máscaras para enfrentar a epidemia? Quais são seus efeitos adversos? Quando se deve reabrir as escolas? E de que forma? Quando a vacina chegará? No momento em que alguns países da Europa começam a ter novos surtos de Covid-19, é possível pensar que teremos uma nova explosão de casos no Brasil em 2021? Qual será o tamanho desse novo surto de casos? Quando surgirá e de onde virá a próxima epidemia?

Esse vácuo de incertezas e o contexto de todas as perdas associadas à pandemia têm o potencial de deixar profundas cicatrizes emocionais, tornando o terreno fértil para o que se chama de a quarta onda. Mas ao que se refere essa quarta onda? Alguns dados sugerem que é possível dividir as consequências da pandemia em quatro ondas. A primeira onda se refere à sobrecarga imediata sobre os sistemas de saúde em todos os países que tiveram que se preparar às pressas para o cuidado dos pacientes graves infectados pela Covid-19. A segunda onda está associada à diminuição de recursos na área de saúde para o cuidado com outras condições clínicas agudas, devido ao realocamento da verba para o enfrentamento da pandemia. A terceira onda tem relação com o impacto da interrupção nos cuidados de saúde de várias doenças crônicas. A quarta onda inclui o aumento de transtornos mentais e do trauma psicológico provocados diretamente pela infecção ou por seus desdobramentos secundários.

O aumento dos sintomas psíquicos e dos transtornos mentais durante a pandemia pode ocorrer por diversas causas. Dentre elas, pode-se destacar a ação direta do vírus no sistema nervoso central, as experiências traumáticas associadas à infeção ou morte de pessoas próximas na pandemia, o estresse induzido pela mudança na rotina devido às medidas de distanciamento social ou pelas consequências econômicas, na rotina de trabalho ou nas relações afetivas e, por fim, a interrupção de tratamento por dificuldades de acesso. Os dados epidemiológicos são claros. Haverá um incremento substancial de casos de transtornos de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático e abuso de álcool e substâncias, além do luto e reações emocionais pelas dezenas de milhares de mortes registradas até agora.

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Vale lembrar, mesmo correndo o risco de cair em clichês, que crise é sim uma oportunidade de crescimento. Essa situação que estamos vivendo permite examinarmos o que realmente importa, no que concerne ao nosso sistema de valores nas relações interpessoais e no trabalho.

Para aqueles leitores interessados em entender um pouco mais sobre essa quarta onda, seus impactos ao longo do ciclo de vida e sobre medidas para manter o equilíbrio emocional e a saúde mental, vale a leitura do Guia de Saúde Mental Pós-Pandemia, resultado do trabalho de 19 especialistas em diversas áreas de saúde mental, lançado essa semana e de onde foi adaptado esse texto.

Acesse o link do guia

http://www.guiasaudemental.com.br

 

<span class="hidden">–</span>Ricardo Matsukawa/VEJA
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By Natasha Figueredo

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